sexta-feira, 30 de julho de 2010

Os três mal-amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

[ João Cabral de Melo Neto ]

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Súplica


Agora que o silêncio é um mar sem ondas, 
E que nele posso navegar sem rumo, 
Não respondas 
Às urgentes perguntas 
Que te fiz. 
Deixa-me ser feliz 
Assim, 
Já tão longe de ti como de mim. 

Perde-se a vida a desejá-la tanto. 
Só soubemos sofrer, enquanto 
O nosso amor 
Durou. 
Mas o tempo passou, 
Há calmaria... 
Não perturbes a paz que me foi dada. 
Ouvir de novo a tua voz seria 
Matar a sede com água salgada.

[Miguel Torga]

terça-feira, 27 de julho de 2010

Certas horas...

Há certas horas, em que não precisamos de um Amor...
Não precisamos da paixão desmedida...
Não queremos beijo na boca...
E nem corpos a se encontrar na maciez de uma cama...

Há certas horas, que só queremos a mão no ombro, o abraço apertado ou mesmo o estar ali, quietinho, ao lado...
Sem nada dizer..

Há certas horas, quando sentimos que estamos pra chorar, que desejamos uma presença amiga, a nos ouvir paciente, a brincar com a gente, a nos fazer sorrir...

Alguém que ria de nossas piadas sem graça...
Que ache nossas tristezas as maiores do mundo...
Que nos teça elogios sem fim...
E que apesar de todas essas mentiras úteis, nos seja de uma sinceridade inquestionável...

Que nos mande calar a boca ou nos evite um gesto impensado...
Alguém que nos possa dizer:

Acho que você está errado, mas estou do seu lado...

Ou alguém que apenas diga:

Sou seu amor! E estou Aqui!

[William Shakespeare]

domingo, 25 de julho de 2010

Ser forte! Que nada...

Eu pensei que fosse fácil
Conseguir ser tão forte
Mas o coração é fraco
Não há dor que ele suporte.

Sua ausência me maltrata
Solidão, fere-me, desarma
Há saudade, tantas lágrimas
Em meu peito a dor desaba.

Ser forte! Que nada, sou nada.

Desde quando você se foi
Ninguém mais me fez sorrir
Em meu rosto só há tristeza
E chorando, eu espero que você apareça.

Sei que você não tem culpa
Nem seu coração também
Não se escolhe a quem amar
Nem a quem gostar também!

Ser forte! Que nada, sou nada.

Na vida há duas escolhas
Pode ser sim e não também
Nem sempre nela se ganha
Mesmo quando se quer o bem.

Ser forte! Que nada, sou nada.

[Autor desconhecido]

sábado, 24 de julho de 2010

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida.
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados.
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei...tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

[Vinícius de Moraes]

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Tomara...

Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho.

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

[Vinícius de Moraes]

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Amigos

Um dia a maioria de nós irá se separar.
Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...

Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim,do companheirismo vivido...
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe, nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar, conversar algumas bobagens.
Aí os dias vão passar, meses, anos, até este contato tornar-se cada vez mais raro.
Vamos nos perder no tempo...

Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas?
Diremos que eram nossos amigos.
E... isso vai doer tanto!!!

Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...
Quando o nosso grupo estiver incompleto, nos reuniremos para um último adeus de um amigo.
E entre lágrima nos abraçaremos...

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado...
E nos perderemos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores...mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!!!

[Vinícius de Moraes]

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Viver sem ter amor não é viver

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você.

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você.

[Vinícius de Moraes]

domingo, 18 de julho de 2010

Soneto da separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

[Vinícius de Moraes]

sábado, 17 de julho de 2010

Soneto do amor total


Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude. 

[Vinícius de Moraes]

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Os homens

Os homens bons são feios.
Os homens bonitos não são bons.
Os homens bonitos e bons são gays.
Os homens bonitos, bons e heterossexuais estão casados.
Os homens que não são bonitos, mas são bons, não têm dinheiro.
Os homens que não são bonitos, mas que são bons e com dinheiro, pensam que só estamos atrás de seu dinheiro.
Os homens bonitos, que não são bons e são heterossexuais, não acham que somos suficientemente bonitas.
Os homens que nos acham bonitas, que são heterossexuais, bons e têm dinheiro, são covardes.
Os homens que são bonitos, bons, têm dinheiro e graças a Deus são heterossexuais, são tímidos e NUNCA DÃO O PRIMEIRO PASSO!
Os homens que nunca dão o primeiro passo, automaticamente perdem o interesse em nós quando tomamos a iniciativa.

AGORA… QUEM NESSE MUNDO ENTENDE OS HOMENS?

Moral da História:
Homens são como um bom vinho.
Todos começam como uvas, e é dever da mulher pisoteá-los e mantê-los no escuro até que amadureçam e se tornem uma boa companhia pro jantar.

[Vinícius de Moraes]

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Força


É a paixão correndo pelas suas veias
E é o sentimento que você agradece por ter vindo
É o momento que você lembra que está vivo
É o ar que você respira, o elemento, o fogo
É a flor que você tira um tempo para cheirar
É o poder que você sabe que recebeu também
É o temor por dentro que você sabe que pode superar
Isto é a orquestra, o ritmo, a bateria

Com uma força, com uma força
Com uma força que ninguem pode parar
Com uma força, com uma força
Com uma fome que ninguem pode matar

É a trilha sonora da sua crescente vida
É o vento pelos seus pés que o faz voar
É o belo jogo que você escolheu jogar
Quando você da um passo fora passo fora para o dia começar
Você mostra o rosto, grita, reza
Você vai ganhar por você e por nós
É o dourado, o verde, o amarelo e o cinza
O suor vermelho, as lagrimas, o amor que você leva. Hey!

Com uma força, com uma força

Com uma força que ninguem pode parar
Com uma força, com uma força
Com uma fome que ninguem pode matar

Mais perto do céu, bem mais alto, mais perto do céu.

Com uma força, com uma força
Com uma força que ninguem pode parar
Com uma força, com uma força
Com uma fome que ninguem pode matar

[ Tradução da música: Força - Nelly Furtado ]

terça-feira, 13 de julho de 2010

Aprende

Depois de algum tempo, você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão. Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la, por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que se levam anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante das quais se arrependerá pelo resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. Aprende que as circunstâncias e os ambientes tem influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto. Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve. Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências. Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.

Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou. Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.

Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama, contudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.

Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo. Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

Portanto... plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!


[William Shakespeare]

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A sensualidade da língua

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.

Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação:os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.

É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto.

Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-à-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.


[ Fonte: Cabeça de homem - Menos complicada do que você imagina ]

sábado, 10 de julho de 2010

Despedida

Existem duas dores de amor:
A primeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva,já que ainda estamos tão embrulhados na dor que não conseguimos ver luz no fim do túnel.

A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.

A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado.
Mas, quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos.
A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por aquela pessoa. Dói também…

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou.
Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém.
É que, sem se darem conta, não querem se desprender.
Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir, lembrança de uma época bonita que foi vivida…
Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação à qual a gente se apega. Faz parte de nós.
Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente, e que só com muito esforço é possível alforriar.

É uma dor mais amena, quase imperceptível.
Talvez, por isso, costuma durar mais do que a ‘dor-de-cotovelo’ propriamente dita. É uma dor que nos confunde.
Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: “Eu amo, logo existo”.

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo...


[Martha Medeiros]

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Medo

Com medo de parecer tolo,
deixamos de ser natural.

Com medo de parecer sentimental,
deixamos de nos emocionar.

Com medo de se envolver,
deixamos de amar.

Com medo de sofrer,
nos fechamos em casulo.

Com medo do ridículo,
esquecemos a espontaneidade.

Com medo de arriscar,
não conquistamos nada.

Com medo de ser alguém,
rapidamente nos escondemos do mundo.

Com medo de viver,
escolhemos morrer.

Com medo de perder,
preferimos o abandono.

Com tantos medos...

Não sentimos, não crescemos, não somos,

Não amamos, não temos, não amamos, não vivemos...

[Autor desconhecido]

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ela...Ele...

Ela sofria, ele nem ligava.
Ela chorava, ele ria.
Ela falava, ele não ouvia.
Ele mentia, ela acreditava.
Ela o esperava, ele não voltava.
Ela queria coisa séria, ele só queria se divertir.
Ela sorria pra ele, ele ria dela.
Ela acreditava em tudo que ele dizia, ele dizia o mesmo para as outras.
Ela queria pra sempre, ele só por um momento.
Ela se entregava, ele evitava.
Ela falava: eu te amo, ele apenas sorria.
Ela ficava por conteúdo, ele ficava por quantidade.
Ela procurava o príncipe, ele procurava a próxima.
Ela queria-o, ele queria uma.
Ele descobriu que ela era a única, ela descobriu que ele era só mais um.

[Autor desconhecido]

terça-feira, 6 de julho de 2010

Você realmente já amou uma mulher?


Para realmente amar uma mulher, para entedê-la
Você deve conhecê-la por dentro, ouvir cada pensamento
Ver cada sonho, e dar-lhe asas quando ela quiser voar
E quando se vir impotente nos braços dela, você saberá
Que realmente ama uma mulher.

Quando você ama uma mulher diz a ela o quanto é desejada
Quando você ama uma mulher diz a ela que ela é única 
Porque ela precisa de alguém pra dizer-lhe que vai durar pra sempre 
Então me diga você realmente, de verdade, já amou uma mulher?

Para realmente amar uma mulher deixe que ela te abrace
Até você saber como ela precisa ser tocada
Você tem de respirá-la, tem de sentir seu gosto,
Até senti-la em seu sangue 
E quando vir seus futuros filhos nos olhos dela, você
Saberá que realmente ama uma mulher

Quando você ama uma mulher diz a ela o quanto é desejada
Quando você ama uma mulher diz a ela que ela é única 
Porque ela precisa de alguém pra dizer-lhe que vai durar pra sempre 
Então me diga você realmente, de verdade, já amou uma mulher?

Dê a ela confiança, abrace-a apertado, dê um pouco de ternura,
Trate-a direito e ela estará lá cuidando bem de você,
É preciso amar sua mulher.
Apenas diga-me, você realmente de verdade, já amou uma mulher??? 

[ Tradução da música: Have You Ever Really Loved A Woman? de Bryan Adams]

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Tempo de...

"Tempo de nascer
Tempo de morrer
Tempo de plantar
Tempo de arrancar a planta
Tempo de matar
Tempo de curar
Tempo de destruir
Tempo de construir
Tempo de chorar
Tempo de rir
Tempo de gemer
Tempo de bailar
Tempo de atirar pedras
Tempo de recolher pedras
Tempo de abraçar
Tempo de separar
Tempo de buscar
Tempo de perder
Tempo de guardar
Tempo de jogar fora
Tempo de rasgar
Tempo de costurar
Tempo de calar
Tempo de falar
Tempo de amar
Tempo de odiar
Tempo de guerra
Tempo de paz."

[ Trecho do livro "Onze Minutos" de Paulo Coelho ]

domingo, 4 de julho de 2010

O pássaro

"Era uma vez um pássaro.
Adornado com um par de asas perfeitas e plumas reluzentes, coloridas e maravilhosas.
Enfim, um animal feito para voar livre e solto do céu, alegrar quem o observasse.
Um dia, uma mulher viu este pássaro e se apaixonou por ele.
Ficou olhando o seu vôo com a boca aberta de espanto, o coração batendo mais rápido, os olhos brilhando de emoção.
Convidou-o para voar com ela, e os dois viajaram pelo céu em completa harmonia.
Ela admirava, venerava, celebrava o pássaro.
Mas então pensou: talvez ele queira conhecer algumas montanhas distantes!
E a mulher sentiu medo.
Medo de nunca mais sentir aquilo com outro pássaro.
E sentiu inveja, inveja da capacidade de voar do pássaro.
E sentiu-se sozinha.
E pensou: 'Vou montar uma armadilha. A próxima vez que o pássaro surgir, ele não mais partirá.'
O pássaro, que também estava apaixonado, voltou no dia seguinte, caiu na armadilha, e foi preso na gaiola.
Todos os dias ela olhava o pássaro.
Ali estava o objeto de sua paixão, e ela mostrava para suas amigas, que comentavam: 'Mas você é uma pessoa que tem tudo.'
Entretanto, uma estranha transformação começou a processar-se: como tinha o pássaro, e já não precisava conquistá-lo, foi perdendo o interesse.
O pássaro, sem poder voar e exprimir o sentido de sua vida, foi definhando, perdendo o brilho, ficou feio, e a mulher já não prestava mais atenção nele, apenas na maneira como o alimentava e como cuidava de sua gaiola.
Um belo dia, o pássaro morreu.
Ela ficou profundamente triste, e vivia pensando nele.
Mas não se lembrava da gaiola, recordava apestas o dia em que o vira pela primeira vez, voando contente entre as nuvens.
Se ela observasse a si mesma, descobriria que aquilo que a emocionava tanto no pássaro era a sua liberdade, a energia das asas em movimento, não o seu corpo físico.
Sem o pássaro, sua vida também perdeu o sentido, e a morte veio bater à sua porta.
'Por que você veio?' perguntou à morte.
'Para que você possa voar de novo com ele nos céus.' respondeu a morte.
'Se o tivesse deixado partir e voltar sempre, você o amaria e o admiraria ainda mais, entretanto, agora você precisa de mim para poder encontrá-lo de novo."

[ Trecho do livro "Onze Minutos" de Paulo Coelho ]

sábado, 3 de julho de 2010

Segundo Platão...

"Segundo Platão, no início da criação, os homens e mulheres não eram como são hoje; havia apenas um ser, que era baixo, com um corpo e um pescoço, mas sua cabeça tinha duas faces, cada uma olhando para uma direção.
Era como se duas criaturas estivessem grudadas pelas costas, com dois sexos opostos, quatro pernas, quatro braços.
Os deuses gregos, porém, eram ciumentos, e viram que uma criatura que tinha quatro braços trabalhava mais, duas faces opostas esta vam sempre vigilantes e não podia ser atacada por traição, quatro pernas não exigiam tanto esforço para ficar de pé ou andar por longos períodos.
E, o que era mais perigoso: tal criatura tinha dois sexos diferentes, não precisava de ninguém mais para continuar se reproduzindo na terra.
Então disse Zeus, o supremo senhor do Olimpo: 'Tenho um plano para fazer com que estes mortais percam sua força.'
E, com um raio, cortou a criatura em dois, criando o homem e a mulher.
Isso aumentou muito a população do mundo, e ao mesmo tempo desorientou e enfraqueceu os que nele habitavam, porque agora tinham que buscar de novo sua parte perdida, abraçá-la de novo, e nesse abraço recuperar a força antiga, a capacidade de evitar a traição, a resistência para andar longos períodos e aguentar o trabalho cansativo. O abraço em que os dois corpos se confundem de novo em um, nós o chamamos de sexo."

[ Trecho do livro "Onze Minutos" de Paulo Coelho ]

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Fio condutor

"Eu encontrei um homem, e me apaixonei por ele.
Deixei-me apaixonar por uma simples razão: não espero nada.
Sei que em algum tempo estará longe, ele será uma lembrança, mas não podia aguentar mais viver sem amor; estava no meu limite.
É suficiente amá-lo, estar com ele em meu pensamento, e colorir esta cidade tão bela com seus passos, suas palavras, seu carinho.
(...)
Geralmente estes encontros acontecem quando chegamos a um limite, quando precisamos morrer e renascer emocionalmente.
Os encontros nos esperam mas a maior parte das vezes evitamos que eles aconteçam.
Entretanto, se estamos desesperados, se já não temos mais nada a perder, ou se estamos muito entusiasmados com a vida, então o desconhecido se manifesta, e nosso universo muda de rumo.
Todos sabem amar, pois já nasceram com este dom.
Algumas pessoas já o praticam naturalmente bem, mas a maioria tem que aprender de novo, relembrar como se ama, e todos, sem exceção, precisam queimar na fogueira de suas emoções passadas, reviver algumas alegrias e dores, quedas e recuperação, até conseguir enxergar o fio condutor que existe por trás de cada novo encontro."

[ Trecho do livro "Onze Minutos" de Paulo Coelho ]

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Inevitável

"O desejo profundo, o desejo mais real é aquele de aproximar-se de alguém.
A partir daí, começam a ocorrer as reações, o homem e a mulher entram em jogo, mas o que acontece antes é impossível de explicar.
É o desejo intocado, em seu estado puro.
Quando o desejo ainda está neste estado puro, homem e mulher se apaixonam pela vida, vivem cada momento com reverência, e conscientemente, sempre esperando o momento certo de celebrar a próxima bênção.
Pessoas assim não têm pressa, não precipitam os acontecimentos com ações inconscientes.
Elas sabem que o inevitável se manifestará, que o verdadeiro sempre encontra uma maneira de mostrar-se.
Quando chega o momento, elas não hesitam, não perdem uma oportunidade, não deixam passar nenhum momento mágico porque respeitam a importância de cada segundo."

[ Trecho do livro "Onze Minutos" de Paulo Coelho ]